Terena no Livro "Portugal antigo e moderno : diccionario geographico..."

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TERENA - Vila, Alentejo, comarca é a 12 quilómetros ao Oeste do Redondo, concelho é a 3 quilómetros do Alandroal (foi do mesmo concelho, mas da comarca de Estremoz) 40 quilómetros de Évora, 160 ao Sudeste de Lisboa, 250 fogos.
    Em 1768, tinha 271.
    Orago, S. Pedro, apostolo.
    Arcebispado e distrito administrativo de Évora.
    O real padroado, apresentava o prior, que tinha 300$000 réis de rendimento anual.

    É terra muito fértil em todos os géneros agrícolas do nosso pais, e uma das suas povoações mais antigas, como adiante veremos.
    Gil Martins e sua mulher Maria João, país de D. Martim Gil, 1º conde de Viana (do Alentejo) fidalgo da corte de D. Afonso III, que lhes deu o senhorio de Terena, lhe deram foral, e povoaram esta terra, em Fevereiro de 1262. (Livro foraes antigos de leitura nova, fl. 146 v., col. 1.ª)
    O rei D. Manuel. lhe deu foral novo, em Lisboa, a 10 de Outubro de 1514. (Livro de foraes novos do Alemtejo, fl. 83 v., col. 1.ª)

    A primitiva povoação, foi fundada em uma baixa, entre os ribeiros do Alcaide e de Lucefeci (este também chamado, de Terena) ambos afluentes do Guadiana.
    Sendo este sítio muito doentio, os moradores o forma despovoando, indo construir a atual Vila, em uma elevação, a pouca distancia, e em melhores condições de salubridade.
    É cercada de muros, com o seu castelo - tudo desmantelado. - Eram seus alcaides mores, os conde da Ponte.

    Não há certeza quanto à data da fundação da antiga Terena. Pretendem uns, que foram os antigos lusitanos, ou celtas. - Outros querem que fossem os gallos-celtas. - E, finalmente, outros sustentam que é fundação dos cartaginenses, o que parece mais provável. Segundo esta ultima opinião, eis a sua origem:
    Pelos anos do mundo 3603 (401 antes de Jesus Cristo) Bohodes, capitão cartaginense, desembarcou nas praias de Bética, mas os seus habitantes (atuais andaluzes) lhe fizeram crua guerra, obrigando-o e á sua gente a reembarcar, e fugir para a Lusitânia, onde entraram pelo Algarve - parece que pelo porto que depois se chamou de Aníbal, hoje Vila-Nova de Portimão.
    Como não vinham em som de guerra, foram bem recebidos pelos lusitanos, que logo lhes principiaram a comprar, vender e trocar mercadorias. Os lusitanos iam ao litoral fazer o seu negócio, e os cartaginenses faziam o mesmo pelo interior do pais.
    Bohodes, desejando estabelecer uma paz durável com os lusitanos, convocou os principais deles para uma reunião, na qual se assentaram as bazes de uma sincera aliança.
    Para firmeza deste tratado, se fez um sacrifício de grande número de rezes de várias espécies, ante uma estátua de Marte, divindade cartaginesa.
    Bohodes, era um homem matreiro, e, para atrair os lusitanos, que não conheciam o tal deus Marte, e que só adoravam Endovélico, lhes disse que um e outro, vinham a ser a mesma coisa, o que os ingénuos lusitanos facilmente acreditaram.
    Bohodes, estabeleceu uma feitoria, na costa do pais dos cúneos (Algarve) uma feitoria, na povoação marítima de Lacobriga, que é hoje Lagos, ou Lagoa.
    Os próprios cúneos (ou lusitanos algarvios) ajudaram de boa vontade à construção da feitoria, que se tornou uma feira permanente. Também aqui construíram uma fortaleza em que deixaram guarnição.
    Bohodes foi substituído por Maharbal, o chefe cartaginense que foi mais querido dos lusitanos, porque sempre se mostrou amigo deles, e lhes fez muitas promessa, que cumpriu.
    Depois de estar algum tempo no Algarve, para conhecer a língua e os costumes dos lusitanos, se aventurou a penetrar no centro do país.
    Chegou à atual Elvas, já então de grande importância, e assentadas as pazes com os seus moradores, percorreu várias povoações circunferentes.
    Antes de Maharbal sair do Algarve, tinha feito cativos os tripulantes de uma nau grega, da ilha de Chypre, e tomando-lhes as estátuas de Vénus e Cupido, que eles traziam a bordo.
    Quando Maharbal percorria as terras do Alentejo, foi acometido de uma grave doença. Consultados os augures, estes disseram que o deus Cupido estava irado contra ele, pelo desacato feito aos Chypriotas, e que só obteria saúde, dando liberdade aos cativos, e fundando um tempo a Cupido, ao que o doente anuiu, e, recuperando a saúde, tratou de cumprir a promessa.
    Agradou-lhe um sítio a 12 quilómetros a Sudeste da atual Vila Viçosa, e tratou de dar principio a um sumptuoso templo, que se concluiu em pouco tempo, porque os lusitanos ajudaram com a maior solitude a construção.
    No lugar principal, foi colocado o ídolo do deus Cupido, tomado aos gregos e que era feito de prata fina, maciço e de estatura natural.
    Foi este templo tão frequentado dos lusitanos, que ali concorriam de toda a parte, a oferecer sacrifícios e a cumprir votos, ao deus Endovélico, ou Cupido.
    Note-se que Endovélico era a divindade superior dos antigos lusitanos, dedicavam a Endovélico, apenas se sabe que nos seus dolmens lhe sacrificavam diferentes animais, e até vitimas humana. (Vide IV vol., pág.. 479, col. 2.ª)
    É certo que a estátua de Endovélico tem muita semelhança com o cupido da mitologia. Era um jovem imberbe, com os olhos vendados, e o coração na boca. Tinha porem azas nos pés, como Mercúrio.
    Este templo tinha sacerdotisas, governadas por um sacerdote.
    Estas sacerdotisas, cuidavam dos adornos do altar do deus. Eram escolhidas de entre as mais nobres e formosas, para exercerem o culto de Vénus e Cupido… O primeiro sacerdote é  que as governava, e só ele podia sacrificar. Tinha outros sacerdotes sob as suas ordens, que eram uma espécie de sacristões, destinados a cuidarem no asseio, limpeza e conservação do templo.
    Consta que uma das cerimónias aqui usadas, era trazer-se um cordeiro branco, até à Ára: o sacerdote despia-se completamente, até ficar nu, cobrindo-se depois com uma capa branca, roçagante. Sacrificava o cordeiro, e lançava-lhe o coração na pyra.

Endovélico

    Pelos anos do mundo 3941 (63 antes de Jesus Cristo) veio, pela primeira vez, à Lusitânia, o famoso Júlio César, na qualidade de questor de Tuberon. Cometeu e deixou cometer as maiores crueldades no nosso país.
    Chegando ao templo de Endovélico, os seus soldados roubaram as estátuas de prata desta divindade e a de Vénus, sua mão, e todas as preciosidades que ali encontraram, bem como o arco e aljava de ouro puro, que Amiliar Barcino, pai de Aníbal, tinha oferecido ao deus.
    Construiu-se depois uma nova estátua de mármore fino.
    Diz-se que muitos lusitanos ficaram tão aterrados com este sacrifício, que julgando-se indignos de viverem depois dele, se mataram, em desagrado.
    Júlio César, fez algumas diligencias para descobrir os objetos roubados, mas só encontrou em poder de Tuberon, seu emefe, a estátua de Vénus, que resgatou à sua custa (provavelmente, com o dinheiro que tinha roubado em outras partes.)
                Virgílio, na Eneida, e Homero, na Ilíada, dizem que Júlio César descendia de Vénus. Foi por isso que o futuro imperador resgatou a estátua da sua progenitora.

    A analise fisiológica da palavra Endovélico, parece indicar-nos que era a divindade suprema, adorada pelos celtas.
    Strabão, diz que eles adoravam um deus sem nome (porque ele o não sabia) no tempo da lua cheia.
    End, radical de todas as línguas primitivas e ainda hoje das do norte, significa Ente Supremo.
    A radical Bel ou Vel, reunida a End também significa o mesmo, como se disséssemos Deus dos Deuses.

Convertida a Lusitânia ao cristianismo, o povo, levado de um sentimento de religião mal entendido, despedaçam a estátua de Endovélico, e os seus destroços foram empregados como alvenaria nas paredes da igreja de S. Miguel, arcanjo, que alguns pretendem estar construída no mesmo lugar que ocupava o antigo templo, e com os restos dos seus materiais.
    Em volta do antigo templo ( que ficava perto da atual Vila do Alandroal) se foram contruindo várias casas de habitação, que formaram a primitiva Vila de Terena.

    Ainda existem várias lápides desses tempos, que nos recordam o culto de Endovélico, a maior partes das quais estão em Vila Viçosa.
    Sobre a porta da igreja de Nossa Senhora da Graça de religioso agostinhos calçados (gracianos) desta ultima Vila, está uma lápide, das que D. Theodosio I, duque de Bragança, mandou vir de Terena, e que tem esta inscrição:
                
C. JVLIVS NOVATVS, VIVENNIAE EVAE VOTVM SOLVIT.

(Caio Júlio Novato, em cumprimento de voto pela sua Vivianna.)

    Ainda na mesma igreja da Graça há duas inscrições, levadas do templo de Terena, dizem:

1.ª

L.
ENDOVELICO
SACRUM, MARCOS JVLIVS
ANIMO SIBENS
VOTVM SOLVIT.

(Dedicado ao deus Endovélico, em cumprimento de voto.)

2.ª

DEO ENDOVELICO SAC.
JVLIA ELIANA VOTO SUCCEPTO EL-
VIA IBAS MATER
FILIAE SVAE VOTVM SUCCEPTVM
ANIMO LIBENS PSVIT.

(Consagro ao deus Endovélico, por voto de Júlia Eliana, cumprido por devoção de sua mão, Elvia Ibas.)

    Outras muitas inscrições trás frei Bernardo de Brito, e André de Rezende, que não copio para não fatigar o leitor.

    Convertidos os lusitanos ao cristianismo, não só desprezaram o culto de Endovélico, mas foram-se ao templo, e lhe fizeram o mesmo que as tropas de Júlio Cesar lhe tinham feito, e despedaçaram a estátua do deus, como já disse.

    Ignora-se como foi tratada a povoação de Terena, pelos bárbaros do norte, no principio do seculo V, o que consta, é, que, no principio do seculo VIII, os mouros, invadindo Portugal, destruíram esta povoação, não deixando pedra sobre pedra.
    Passados anos, ainda qui se estabeleceram algumas famílias, mas com as continuas guerras da idade média, tornou a despovoar-se, e despovoada estava nos primeiros tempos da nossa monarquia, e deserta a achou Gil Martins, em 1262.

    Não sei como esta vila tornou para a coroa, o que se sabe, é que o rei D. Dinis deu o senhorio dela a seu filho, o infante D. Afonso (depois rei IV do nome) com vários outros senhorios, sob a condição de os não poder doar senão a sua mulher, D .Brites, ou a algum seu filho, a título de morgado.
    Depois formou se de Terena e de outras povoações imediatas, uma comenda da ordem de Aviz.

    Pelos anos de 1559, ainda o templo cartaginense estava menos mal conservado, mas o infante D. Henrique (filho do rei D. Manuel) sendo arcebispo de Évora,¹ roubou do templo de Endovélico, 96 colunas de velo mármore, e de ordem jónica, para com elas adornar o colégio do Espirito Santo, que para os jesuítas, andava fundando em Évora.

    D. Henrique, não tirou todas as preciosidades deste magnifico templo porque depois, o duque de Bragança, D. Theodosio I, ainda achou que levar, para enriquecer com os despojos venerandos do templo de Endovélico o mosteiro de Nossa Senhora da Graça (de frades agostinhos, calçados, vulgo gracianos) que andava construindo em Vila Viçosa, para jazigo e da sua família.

Igreja de Nossa Senhora da Boa Nova

    A infanta D. Maria, filha de D. Afonso IV, de Portugal, foi rainha de Castela, por casar com D. Afonso XI, e foi mãe do tristemente celebre D. Pedro I, de Castela, o cruel, que morreu assassinado por seu irmão bastardo, D. Henrique II.
    Em 1340, Ali-al-Boacem, imperador de Marrocos, ameaçou a Península, com uma invasão igual á de 714.
    Frei Agostinho de Santa Maria, diz que o nosso rei D. Afonso IV, negara a sua filha, a rainha D. Maria, o socorro que ela lhe vinha implorar em favor de Castela, voltando esta senhora para o seu reino, muito triste e desanimada. ao chegar ao sitio da antiga Vila e Terena, viu ao longe, correr para ela, um cavaleiro a toda a brida. Era um enviado de seu pai, que lhe trazia a Boa-Nova de que o rei havia reconsiderado e prometia o pedido de socorro.

Santuário de Nossa Senhora da Boa Nova

    A rainha, em memória desta tão grata noticia, prometeu fundar naquele mesmo sítio (em frente das ruinas do templo pagão) uma igreja, dedicada a Nossa Senhora da Boa Nova.
    Dada a grande batalha e obtido o triunfo glorioso, do Salado (30 de Outubro de 1340) para o que tanto concorreram os portugueses, comandados pelo seu Rei em pessoa, e por seu filho, o infante D. Pedro (depois rei 1º do nome) tratou imediatamente a rainha de Castela, de cumprir a sua promessa, mandando construir a igreja, e consignando-lhe um bom rendimento para as despesas do culto, e conservação da igreja.
    É um templo construído com a maior robustez, em forma de fortaleza (como o da Flôr da Rosa, no concelho do Crato) guarnecido de ameias de cantaria, tendo a forma de cruz. As paredes interiores, estão revestidas de ricas pinturas, e nos dois lados do altar-mor, se admiram dois magníficos tocheiros, que, apesar do seu estado de ruina causada pelo decurso de cinco séculos, ainda dão ideia da sumptuosidade com que foram construídos.
    Esta igreja, que fica a 1:500 metros da Vila, e no sítio da antiga Terena, foi matriz em quanto aqui houve povoação.

¹ Este padre, que, pela sua pusilanimidade, foi a causa da nossa escravidão de 60 anos, foi arcebispo de Lisboa, de Évora e de Braga, cardeal, e por fim, rei.


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