O Futebol em Terena

Campo de Jogos José Vitorino

O futebol em Terena surge com os dois irmãos António e José Tatá.

No dia 13-02-2011 fui visitar o Miúdo ou o Miudinho de alcunha, de nome António. está num lar situado em Vila Fernando, em terrenos da antiga colónia penal ou em termos mais modernos centro de reabilitação social, hoje lar.

Quando muito pequeno, no meu despertar para o mundo, ouvira falar nesta colónia por ter sido lá internado, um rapa de Terena, o filho do Pá Preto. Este usava um cinto muito largo e nele tinha uma chapa amarela com uma palavra escrita, Zelador. Não sei que zelo fazia, logo que profissão exercia, nem soube ou já não recordo o nome próprio do Pá Preto, mas tenho a certeza que pertencia á família dos Valentim.

Lá, no Lar muito bem estruturado, de impecável asseio e com pessoal simpático e de trato afável, soltou-se-me da minha prateleira de recordações, o futebol, cujo o Miúdo fora um bom intérprete.

Tal como eu e como muitos leitores, que terão o gosto, a bondade, paciência ou a curiosidade de ler estas linhas, saiu da sua terra, em busca de melhor vida.

Era Sapateiro.

Foi trabalhar para Almada, com o Zé da Muda. Trabalhavam num vão de escada. Não sei se foi devido á morte do Mestre Zé Muda ou se foi por sua iniciativa ou pela decadência do ofício, o que sei é que ele finalizou a sua carreira de trabalhador na Lisnave.

Os manos Tatá vieram do Redondo com os pais e uma irmã. O pai era do Alandroal e a mãe do Redondo. Vieram para tomar conta da farmácia de Terena, situada na Rua das Casas Novas, hoje Joaquim Cardoso Galhardas, em homenagem ao médico que nela morou e fez toda a sua carreira em Terena.

Criaram e estruturaram o clube de futebol, de seu nome BOA NOVA FUTEBOL CLUBE.

Camisolas pretas com uma tira branca no decote e bolsinho encimado também com tira branca, calções brancos, caneleira e botas de futebol.

"Á Académica, dizia-se com uma pontinha de orgulho", Terena vibrou nessa altura, anos cinquenta, (1950) de entusiasmo.

Apareceram executantes para duas equipas e começou-se a jugar junto á Igreja de Santo António.

Era preciso um campo e ele vem a surgir em terra concelhia, no Rossio, junto á parede da Horta do Paiva. Jogadores e não jogadores contribuíram para a sua feitura.

Era necessário nivelar o terreno. Cavar num lado e encher noutro. Uns cavavam, outros puxavam carros de varais e despejavam nos baixos. Como as distâncias eram pequenas dispensaram as muares.

Surgem os primeiros jogos. Vou tentar relatar-vos, dois ou três. Deixem-me primeiro recordar um jogo caseiro. Solteiros e casados. O meu pai, ferrador e comerciante, era um grande entusiasta da bola e penso que foi por isso que o Zé Tatá o convidou para padrinho de casamento, alinhou nesse dia. Do lado dos solteiros alinhou o mestre Manuel Mira, sapateiro de profissão.

A determinada altura do jogo o mestre sapateiro levanta demasiado o pé, falha a bola mas não falha a cabeça, que fora baixada demais, pelo mestre ferrador. Resultado um lenho na cabeça do meu pai. Assistido de imediato pelo doutor Galhardas, no seu consultório, leva três pontos e ambos regressam ao jogo. Lá chegado o meu pai, diz para o mestre sapateiro, "Ó Manuel tens que jogar com sapatilhas", resposta do sapateiro, "Já as encomendei ao Batistinha"*

Honestamente, penso que o primeiro jogo que me recordo foi Terena/Alandroal. Lembro-me que jogava o Manuel Roma e o meu segundo primo Joaquim José Salgado, que jogava a ponta esquerda. Recordo-me porque foi a primeira vez que ouvi chamar "Marroquinos" aos do Alandroal e "Ferrugentos" aos de Terena. Nunca cheguei a saber a razão dessa alcunhas, mas indignou até porque "apanhava" dos dois lados.

Um outro jogo foi com o Sport Lisboa e Évora, onde jogava um rapaz de nome Serranito que depois foi jogar para o Sporting.

Do lado de Terena, a médio jogava o Rosinha, cujas cotas eram pagas pelo Senhora José Neves, lavrador que auxiliara na sua formação o Clube. Era um jogador muito rápido e ágil. Num cruzamento salta mais alto que o adversário, quando desce bate com o nariz na cabeça daquele e fica inconsciente. Reanimado pelo sempre presente doutor Galhardas é diagnosticado a cana do nariz partida. A operação é custeada por um movimento de solidariedade próximo e incluindo os jogadores.

Outro jogo foi com o Ateneu de Reguengos de Monsaraz. A maior parte dos jogadores de Reguengos vieram de véspera, dormir a Terena, por falta de transporte. Em casa do meu pai dormiu um e em casa do meu tio Peças, o pai do Bráulio, dormiu outro e poucos foram os que vieram no dia do jogo. Tive a impressão que a maior parte dos jogadores, quer dum lado quer do outro iam bêbedos. Perdiam descaradamente ocasiões de golo feito e quando se descuidavam a meter um, na jogada seguinte havia golo na baliza adversária.

Um sector da assistência apercebeu-se que havia uma combinação para nenhuma equipa ganhar e agitou-se, mas a boa disposição continuou dentro do campo e acabam empatados a três bolas.

Caros leitores, penso que ainda não os saturei com estes relatos e se me enganei peço paciência só para mais um. Terena/Montejuntos.

Pelos de Terena alinhou, como convidado, a avançado de centro um jovem académico de nome João Azevedo.

O guarda-redes adversário, de nome Patalona, tremia como varas verdes, logo que o Azevedo pegava na bola. Sete vezes a foi buscar dentro da baliza. A grande preocupação aliada ao crescente nervosismo, eram os seus calções. Cada vez que fazia um movimento mais brusco, o Patalona baixava a vista.

A rapaziada apercebe-se que os calções não passam de umas cuecas com dois alfinetes a fechar a breguilha.

Foi o bom e o bonito quando um gaiato gritou, "deixa lá se perderes essas duas, já lá tens sete"

Os jogos eram sempre assistidos por uma assistência.

O Miúdo foi o que eu chamo um jogador da segunda geração, a seguir aos manos Tatá. Jogador fino, veloz e de passe certeiro e calculado, finta curta e remate colocado de partir os rins ao adversário. jogador corretíssimo.

Ele, o Manuel Berbem, que acabou a carreira de futebolista no Portalegrense e o Zé Silva, de alcunha o Zé Bruto foram, como amadores os melhores futebolistas que presenciei.

O António Pacífico regressou á sua terra natal, a Terena onde viveu seis anos. Uma doença irreversível e progressiva fê-lo regressar a Almada. Regressado novamente ao Alentejo hoje está em Vila Fernando, no Lar.

Quando cheguei e ao ver-me, com um sorriso de satisfação disse, "olha o Hélder", mas quando lhe falei do tempo em que fora festeiro e tesoureiro, em 1966, ano em que o padre Albano deu um safanão na elite que superintendia na comissão de festas de Nossa Senhora da Boa-Nova/Festa dos Prazeres, não se recordou, apesar de em Terena, lhe ter oferecido cópia do estrato do livro "A Festa do Santo Padroeiro numa Comunidade Rural", de Ana M. Serrador, onde, na página 210 e 211, consta o nome dele conjuntamente com o citado padre e restantes festeiros.

Contou-me, nessa altura, quando da conferência do dinheiro das contas da festa desse ano faltavam 20 centavos, procurados veio a encontrá-los na bainha das calças. Quando lhe falei do Zé Bruto respondeu-me, "também levava".

Naquela tarde estava a jogar o Benfica e o jogo a ser transmitido pela televisão o que me deixou séptico e interrogativo.

Lembrar-se-ia do futebol por lhe ter falado do Zé Bruto ou por ver, na televisão, o Benfica?

Quantas pessoas já percorreram ou virão ainda a percorrer o ciclo de vida do António? Quantos de nós ao julgarmos ter atingido a estabilidade e direito um final de vida tranquilo, vimos a cair na dependência. E apesar do Miúdo me fazer "relatar o nosso futebol" um outro e com vedetas nacionais me despoletou a lembrança. Recordam-se do Vítor Baptista que fez parar o estádio da Luz, por ter perdido um brinco? Vindo depois a morrer em estado deplorável nos arredores de Setúbal. Sucedeu o mesmo ao bom gigante José Torres. E quantos brasileiros depois de tentarem a sua sorte em Portugal não têm dinheiro para regressar ao Brasil. É o crepúsculo da vida com toda a sua tristeza e amargura.

Caro conterrâneo, só me resta agradecer o teres despertado em mim, a emotiva sensibilidade de escrever estas linhas.

Para ti, António, um grande abraço. 

Hélder Salgado

21-02-2011


*Nota – o Batistinha era um contrabandista, que vendia perfumes, sabonetes, pastilhas para a garganta, coisas de pouca importância. Contava que fora apanhado pela guarda espanhola e que esta disparara contra ele, mas que conseguira fugir.



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