O Ti Pero

Ti Pero - Lado Direito com o clarinete


O Ti Pero logo desde muito jovem aprendeu o ofício de sapateiro e tocava clarinete na banda municipal. Era um homem elegante, muito magro, tinha um semblante afável e meigo e era um bom contador de histórias. 

Enquanto trabalhava de sapateiro, vinham muitos fregueses querer os seus serviços, ora meias solas, ora umas gáspeas ou rodelos, uns protetores, umas biqueiras, uns saltos mais altos ou rasteiros, umas botas ou sapatos novos. 

A banca continha quase tudo à mão do que lhe fazia falta. O martelo, os pregos, as cardas, a sola, o couro, cortiça, as caixinhas das cerdas, a fivela, a cola que confecionava, as várias tintas, adequadas a cada gosto do freguês, as formas e o formão estavam em constante serventia! 

Os sapatos usados pintavam o chão junto com todos os desperdícios que iam caindo ao chão. Numa das paredes a máquina de costura que de vez em quando era necessária para cozer um cinto ou criar guarnições nos sapatos

 - Oh Ti Pero tem “vagar” de cozer os sapatos, dizia um?

 - Preciso das botas cardadas e com protetores, dizia outro! 

 - Pero não me pões umas capas nos sapatos? Só tenho estes! E mesmo naquele instante o Pero resolvia a questão.

- Ti Pero queria que me fizesse uns sapatos novos com rangedeiras. Era fino os sapados ringirem para saberem que ali ia alguém com personalidade… que tinha importância.  

Das suas mãos saía tudo perfeito, bem brunidos e bem engraxados. Pareciam sapatos novos.

Os amigos passavam por lá, para uma boa cavaqueira. O Pero ria e falava muito, mas o olhar ficava fitado no que estava a fazer. Não queria faltar ao compromisso a que se impunha para com os fregueses. 

O sentido da responsabilidade, estava acima de tudo! 

Nas horas vagas as crianças sentavam-se em cadeiras de buinho à sua volta, ouviam belas histórias de encantar e depois deixava-as sonhar e julgar serem verdadeiras. 

Todos os dias visitava a irmã Maria Joana. Bem cedo ia beber uma cafezada e pôr a conversa em dia. 

Na chaminé de chão de ladrilho à hora certa com a chama ao rubro, fervilhava a água e o testo na cafeteira de barro, pronta para colocar dentro, duas colheres bem cheias de café e uma brasa à chegada do mano Pero. Depois espalhava as brasas e colocava em cima o pão a torrar. A banha de porco, vermelha de fritar a carne untava o pão e ali mesmo bebiam o café na tigela e comiam a torrada ao som de muita conversa.  

Ao fim da tarde dirigia-se à Sociedade onde todos os elementos da banda de músicos se reunia a ensaiar o reportório para atuarem em festas e procissões, que fossem solicitados. 

Já lá ia o tempo em que a noite que não tinha lua, era breu, só a orientação e conhecimento do terreno que pisava o fazia chegar a casa ou uma ou outra candeia de azeite acesa, que a fresta da porta, mal iluminava. 

Agora já haviam os candeeiros pelas ruas. O Acendedor de Candeeiros ao pôr-do-sol palmilhava as ruas carregando uma escada ou uma vara, um recipiente de azeite ou petróleo para acender todos os candeeiros da vila, perante os mirones das pessoas que se sentiam envaidecidas. 

Eram postes de ferro esguios com lampiões no alto (suporte em ferro ou caixa, com vidro por todos os lados ou deles com um fecho). Serviam para abrigo do vento. Pela manhã vinham apagar a luz, limpar as chaminés e fazer a manutenção. 

À tarde pelas ruas e em dias de muito calor, as mulheres sentavam-se à porta ou num poial e os homens entretinham-se num canto da rua, num largo, ou na taberna de conversa. Cada um que passava fazia a sua saudação e por momentos parava e dizia a sua laracha. Ao fundo ouvia-se o toque do clarinete do Ti Pero que praticava harmoniosamente em frente à pauta que colocava na estante com ripas de madeira.


Enviar um comentário

0 Comentários